01/10/2025 - Brasileiros do interior de SP, trabalha como chef na China
Arquivo pessoal
Uma prova no curso técnico de administração, um corredor comprido e uma conversa em inglês que ele não entendia. Foi nesse cenário, em outubro de 2006, que a vida de Luis Enrique Batista Ribeiro, então um jovem de São Carlos (SP), mudou para sempre.
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Ele nasceu em Tabatinga (SP), também no interior, mas viveu desde a infância em São Carlos. Hoje, aos 45 anos é Sous Chef em uma concorrida churrascaria brasileira em Pequim, na China, que nesta quarta-feira (1º) celebra o Dia Nacional da República Popular.
A jornada que o levou até lá começou com uma pergunta que parecia uma loucura.
Sua amiga Kelly, a quem considera uma irmã, havia acabado de receber um telefonema. Ela já tinha morado em Xangai e negociava uma oportunidade de trabalho na China. Luis ouviu a conversa sem entender, até que ela desligou e, num instante, o destino bateu à sua porta.
"Ela só virou e falou assim: 'aonde eu vou achar um churrasqueiro?' No que ela falou, eu entrei no corredor e ela virou ao mesmo tempo para mim: 'você vai para a China?'"
A resposta inicial e imediata foi um taxativo "não".
Naquela época, Luís estava desempregado e estudando um curso técnico em administração, na atual Etec Paulino Botelho, em São Carlos. Inclusive, a ligação aconteceu nas vésperas de uma prova importante no seu curso.
A casa em que ele morava com sua amiga tinha um grande corredor. Luís ficou olhando o caminho e refletindo a respeito da possibilidade de revolucionar sua vida.
Ele não falava inglês e sua experiência com churrasco era apenas a caseira, de quem sempre gostou de cozinhar para a família. Mas a amiga insistiu, o currículo foi enviado e, para sua surpresa, aceito.
A partir daquele momento, tudo estava prestes a mudar. "E assim foi minha vinda para China. O processo começou em outubro de 2006, e 16 de janeiro de 2007, eu estava pousando na China".
O fascínio que superou o medo
Há quase 20 na China, brasileiro sempre admirou o país
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Para um rapaz de cidade pequena, sem condições financeiras para viajar, a ideia de conhecer o mundo parecia um sonho distante.
O que o impulsionou não foi a busca por um destino óbvio como os Estados Unidos ou a Europa, mas uma fascinação pela cultura chinesa despertada por uma série de reportagens que assistiu no programa Fantástico, da TV Globo.
"Eu falei assim: 'ah, um dia eu queria, quem sabe, um dia eu consigo conhecer a Grande Muralha'", conta ele, sem saber que o destino lhe preparava exatamente isso.
A decisão, no entanto, não foi fácil. Estava sem um emprego formal, enfrentando dificuldades, inclusive o início de uma depressão e viu na proposta uma chance única.
A reação dos amigos foi de incredulidade. "Falaram que eu sou louco, que eu não ia sair de lá, que eu ia morrer colhendo laranja, que não ia ter futuro", lembra.
Mesmo sua mãe foi contra, mas as irmãs o apoiaram. Diante da incerteza, ele decidiu arriscar. "Se eu não tentar, eu nunca vou saber o que pode acontecer", relata Luís sobre seu pensamento naquela época.
Ele realizou seu conho de conhecer a Grande Muralha da China
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Chegada, solidão e um videogame como professor
O pouso em Xangai em pleno inverno foi um choque. O frio, as luzes e os prédios luminosos o deixaram maravilhado. "Eu falei assim: 'gente, isso aqui é a China, será que eu tô aqui mesmo?' Foi inacreditável", descreve.
Os primeiros desafios não demoraram. A barreira do idioma era a principal. "Eu não falava inglês e também nunca tinha ouvido alguém falando chinês", disse.
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Nos primeiros meses, a amiga Kelly traduzia tudo, mas logo ela e os outros brasileiros foram embora, e Luis se viu sozinho. Por um ano, ele foi o único brasileiro na cidade.
"Aí eu fiquei 1 ano sozinho. Aí, tipo assim, eu não conhecia ninguém. Só trabalhava e morava no hotel. Chegava em casa, jogava videogame, com um dicionário na mão."
Com um PlayStation 2 e um dicionário Aurélio, ele começou a aprender inglês. Em cerca de oito meses já conseguia se comunicar.
A solidão foi dura, mas a receptividade do povo local foi um alento. "Foi muito fácil encontrar pessoas que, sabendo que você não fala, tentam te ajudar pra caramba".
Brasileiro trabalha em restaurante especializado em comida brasileira
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O ambiente de trabalho, porém, trouxe outras dificuldades, como a xenofobia de alguns colegas que não aceitavam um estrangeiro ganhando mais. "Fizeram de tudo um pouco para tornar a vida um pouco difícil lá".
Liberdade, segurança e o mito do "regime"
Questionado sobre a suposta falta de liberdade na China, um tema recorrente no Ocidente, Luis é enfático. Ele afirma que, em quase 20 anos, nunca se sentiu oprimido por um "regime".
"Eu acho que isso é uma coisa tão errada de pensar da China, porque, cara, eu nunca tive problema com falta de liberdade", afirma.
Ele ainda destaca o ponto positivo que mais chama sua atenção.
"O que mais me impressiona aqui é a segurança. Você andar ‘vulnerável’ no meio da rua, 5 horas da manhã e nada acontecer com você."
Para ele, a percepção ocidental é equivocada. "O povo confunde muito esse regime comunista. Para mim, em quase 20 anos, não existe isso. O que se tem na China é: você faz o que você quer, só que se você quebrar a lei, você vai pagar".
Experiência marcante
Luis trabalhou em projeto social por 5 anos; experiência foi marcante
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Em meio à sua vida no país asiático, Luís conta que chegou a desistir da culinária e atuou em um projeto social. Mesmo que tenha voltado à sua vocação na cozinha após esse período, a experiência foi uma das mais marcantes.
VEJA O VÍDEO:
São-carlense mora na China há quase 20 anos e conta história marcante
O homem que renasceu na China
Olhando para trás, Luis vê uma transformação profunda. Ele saiu do Brasil "quebrado por dentro", lutando contra a depressão e a falta de aceitação por conta de sua orientação sexual.
Luís não encontrava suporte para enfrentar o fato de ser homossexual, conviva com o preconceito e com a falta de perspectivas em sua vida.
A jornada na China foi também uma jornada de autoconhecimento e cura.
"Eu saí da depressão porque eles [suas entidades da Umbanda] me ajudaram. Sou uma pessoa mais confiante. Olhando para trás e vendo o que eu me tornei, trabalhando num restaurante brasileiro, representando a nossa cultura [...] fazendo parte do Conselho de Cidadãos Brasileiros aqui em Pequim, isso mostra a mudança."
Ele admite, contudo, que a vida de expatriado tem um preço alto: a distância e a perda. "A partir do momento que você decide sair do país, você sempre vai perder alguma coisa", reflete.
Nesses anos, ele perdeu funerais, casamentos e o nascimento de sobrinhos. "Você tem que estar preparado para esse tipo de perda. Dói, mas a vida continua."
Hoje, mais forte e focado, Luis encontrou seu lugar.
O jovem "louco" de Tabatinga não apenas conheceu a Grande Muralha, mas construiu uma nova vida, provando que, às vezes, a maior loucura é não aceitar um convite inesperado do destino.
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